quinta-feira, 27 de agosto de 2009

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Você não sabe como é, você não entende. Foi a última frase que a ouvi dizer naquele dia. Ela repetia insistentemente com um ar de agonia e um olhar que deixava claro que o desespero estava presente em seu espírito. Eu sabia que não poderia ajudá-la, mas aquilo me deixava mal e eu precisava tentar. Percebi que tudo que eu fazia só a deixava pior. Foi aí que decidi me calar e ouvir as poucas palavras que ela dizia. A cada repetição, uma entonação diferente. Eu via aquilo tudo como uma situação muito embaraçosa, acima da dor da menina e acima do sentimento de querer ajudá-la.

Como eu poderia analisar uma situação daquelas de maneira diferente? Uma garota muito bonita nua em meus braços, dizendo frases aparentemente sem sentido. Ela era realmente muito bonita, mesmo com seus cabelos molhados e despenteados. Naquele frio cortante, sem pudor algum, ela só demonstrava sua dor interna. Ignorava seus ferimentos aparentes, que sangravam bastante.

Senti atração, mas esse sentimento foi rapidamente reprimido pela agonia que ela transmitia. Ela estava completamente vulnerável. Foi a única vez que a vi assim durante todos esses anos. Ela nunca me disse o que realmente aconteceu naquele dia, mas eu não me esquecerei de tudo aquilo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O brilho da dor

Carolina se sentia triste, como de costume. Ela acabara de receber uma notícia que mudou seu jeito de pensar; seu jeito de agir; a forma como ela se sentia, de modo geral.
Seu amigo não parecia mal, nunca pareceu. Ele era sempre tão animado e festeiro que ninguém percebia suas dores. Isso o corroía, com certeza, mas ninguém estava lá para ajudá-lo quando ele precisou. Ninguém era capaz de decifrá-lo, e ninguém conseguia ver através de sua máscara feliz, justamente por que ele mesmo lutou para que fosse assim mesmo.
A menina via que os olhos do amigo não brilhavam como antes. Apesar do brilho ainda existir, agora era diferente. Ela sabia que a culpa era principalmente dela. Era a primeira vez que se sentia tão mal por causar dor desse tipo em alguém. Ela havia se acostumado em destruir corações. Não que ela gostasse disso, mas como aconteceu mais de uma vez, ela simplesmente se acostumou com aquelas situações. Mas dessa vez era diferente. Ela sentia por ele um sentimento de amizade muito forte. Era só amizade, por mais que ele não gostasse disso.
Doía quando Carolina via aquele brilho opaco e triste nos olhos dele. Ela sabia que o brilho era por causa dela, e sabia que a tristeza também. Era uma dor nunca antes experimentada. Não chegava a ser corrosiva, mas era um pouco cortante. Ela sentia que a vida do amigo que ela tanto gostava se esvaía diante de sua presença. Ela via a dor dele, ela conseguia enxergar através do escudo que ele construiu.
Naquela manhã ele não estava lá. Ela sentiu uma dor no peito, e dessa vez era corrosiva e cortante. Ela sentiu aquela dor pela primeira vez. A dor da perda.
Não imaginava que ele partiria sem dizer adeus; e apesar do fato de que seu comportamento com ela ultimamente a lembrava um grande epitáfio, ela não sentia que tal perda viria de maneira tão forte. Ela sentiu sua falta antes mesmo de receber a notícia de que havia o perdido para sempre, e que nunca mais veria aquele brilho doce no olhar do amigo. Ela sentiu uma lágrima entalada, que depois veio com muitas outras.
Quando conseguiu parar de chorar, se olhou no espelho e viu algo diferente. Nos olhos que ela tanto gostava em si mesma, ela viu um brilho que antes não existia. O brilho que carregaria para sempre consigo, junto com a dor de saber que a decisão de seu amigo de partir desse mundo naquela manhã foi tomada logo depois de pensar nela. Ela não o tinha mais. Ele nunca a teria da forma que queria, e sabia disso. Ele decidiu que não conseguiria viver daquele jeito. Ele deixou seu brilho para ela. Deixou a coisa que ela mais admirava nele, no que ela mais admirava em si mesma. O brilho nos olhos dela agora era doce e carregado de dor. Ela não sabia dizer adeus. Ela não queria ir junto, mas sabia que involuntariamente uma parte dela partiu com ele.
Ela nunca quis fazer tão mal a alguém, mas o que a vida preparou para os dois não era a felicidade, e se ela não queria acabar com a vida dela também, ela deveria continuar; carregando a dor pelo amigo que não a suportou. Ela pagaria por ele. Ela sentia agora tudo o que ele deixou. Ela não esqueceria, ela nunca vai se esquecer.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Carolina, querida.

Carolina era uma menina realmente surpreendente. Tinha hábitos estranhos, era incomum aos olhos da maioria. Quando questionada sobre vida social, simplesmente dizia que tudo o que sentia por grande parte das pessoas que conhecia se resumia a repúdio. Ela costumava dizer que via hipocrisia de longe, e que nunca vira uma pessoa sequer que não fosse hipócrita. Hipocrisia por parte dela? Fica a critério de cada um.
Carolina. Ela não gosta do nome. Mas acha que não gostaria de nenhum, até porque é estranho para ela gostar de algo tão presente em sua própria vida. Ela não gosta de rotina, não se espelha em pessoas comuns e com bom caráter. Não faz coisas erradas, a menos que você julgue odiar a 'sociedade' um pecado mortal. Ela não é anti-social. Convive muito bem com pessoas. Claro que não são desse tipo de gente que se vê sempre pelas ruas, até porque já deu pra notar que ela não é a pessoa mais agradável do mundo, nem mesmo pra ela mesma, e tem um ar de superioridade na maioria das vezes extremamente irritante. Digo porque sei. E digo também que considero as pessoas que conseguem passar os dias ao lado dela verdadeiros guerreiros. Mas não se preocupe. Ela não é assim tão insuportável com quem ela gosta, ou considera menos hipócrita. E eu não sou uma dessas pessoas. Então, conheço sempre o lado mais obscuro da tão falada Carolina.
Mas se a Carol fosse a pessoa indicada para lições de moral, ela saberia o que dizer. Não que ela fosse exemplo. Mas imagino que de tanto observar e criticar pessoas, ela seja um das mais indicadas ao cargo de conselheira dentre as sábias mentes que conheço, se não fosse pelo fato de que ela nunca aceitaria algo assim.
E sabe por que me aproximei dela? Pelo nome. Esse mesmo que ela não gosta. Inicialmente, esse fato me indignou. Por muitas vezes na vida estive até decidida a chamar minha primogênita assim. E como poderia alguém não gostar de um nome tão bonito, ainda mais sem um 'Ana' ou 'Maria' na frente, o que é até bastante incomum. Mas não é um caso para discutir agora.
E a familia dessa menina, onde estaria? Ela não quis saber por um bom tempo, já que os familiares eram inegaveis integrantes da massa a qual ela repudiava. Apesar de dizer que não tem sonhos, e que a luz da juventude parece não lhe atingir, por sua personalidade fria e seus sentimentos que são quase sempre os piores possíveis, ela é jovem. Ainda não é a hora de revelar sua idade física, para evitarmos que a garota seja prejulgada, algo que lhe deixaria realmente muito irritada.
Por hoje, acabo por aqui. E num futuro próximo, sem dúvida, estarei de volta para continuar a introdução à Carolina. Não se pergunte por que um ser se contenta em escrever sobre um outro, mas é algo que acontece comigo, considerando a profunda admiração misturada com uma raiva imensa que sinto por ela, considere-me apenas alguém que gosta de explorar uma personalidade relativamente complexa, de difícil entendimento, e alguém que tem uma satisfação inexplicável só em pensar que alguém mais poderia ter a mesma visão sobre a Carol.

Até mais, esteja certo de que voltarei.